Queria dar-te colo, embalar-te no meu regaço e dizer-te
baixinho que tudo está bem quando acaba bem. Queria adormecer essa tua
inquietação, dar conta de todos os teus medos, decepar a loucura que desliza
dentro de ti como uma enguia sem tino, com tamanha violência que quando sibila
se ouve cá fora em redor, escoando-se pelos orifícios da tua pele. Queria
garantir-te que, comigo por perto, nada ninguém nunca poderá fazer-te mal, que
podes fechar os olhos, descontrair os músculos, deitar para o lixo todos os
químicos que agora te permitem a posição vertical e fingires para os outros que
és tu. Queria dizer-te que sei que estás algures dentro de ti e que esse
invólucro que apresentas é apenas uma pele seca que mais cedo ou mais tarde
largarás pelo caminho, quando me souberes lá à frente à tua esfera. Queria que
percebesses que há entre nós um laço, mais do que um laço, um nó górdio, um
amor complexo e irremediável, cheio de voltas e contravoltas, que ninguém
poderá cortar com a sua espada, mesmo que especialmente desembainhada para o
efeito. Sei que hoje nada sentes, ocupado que estás com a aritmética simples da
sobrevivência, que estas palavras pouco te dizem, que tudo te parece um
pesadelo e que não acreditas em mim no fim da linha. Mas um dia olharemos para
trás e leremos os dois este texto premonitório, palavra por palavra, promessa
por promessa, juro. E será exactamente como te disse, os dois rodeados de
crianças e de bichos e de pólenes de primavera que o vento nos trará em
contornando as montanhas. E então serás tu a embalar-me com o cinzento dos teus
olhos e a tapares-me com o cobertor até cima, afugentando os meus fantasmas com
a mão como se fossem apenas insectos incómodos e não esta bola de fogo que me
empecilha a garganta e me faz acordar a meio da noite, a vomitar pela cama o
medo de te perder para sempre na espuma dos terrores que inventas para ti
mesmo.
in umamoratrevido
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