Quando nada me dizes, acho que morro. Fico como que jogada aos bichos,
órfã de sentido e de razão, arrimada para os cantos da vida, o corpo
doente em fase terminal. Quando nada me dizes, não como, não durmo, e
forma-se-me cá dentro um rolo de gritos calados, nos pulmões, n garganta e contra as paredes do estômago, quimo e quilo, quimo e quilo,
num centrifugar desesperado. Quando nada me dizes, procuro abrigo e fico
quieta, muito quieta, no silêncio infernal do olho de um furacão, na
angústia iminente do cataclismo nuclear, parada e espelhada, como o
rosto do oceano que anuncia a tempestade. Vou sem rumo e sem norte, por
ruas que não sei o nome, sem reparar nos carros, nos outros, nas
montras, não sei se nos saldos se já colecções de verão, não sei se tudo
mais caro, se a crise, se a inflação. Quando nada me dizes, compro o
jornal mas não quero saber de nada no mundo, só leio o horóscopo para
descobrir se além dos cuidados com as finanças e com a alimentação, a
semana me será especialmente favorável aos desígnios do amor, do meu
amor. Quando nada me dizes, entro num modo vegetativo de estar, há um
piloto automático que me guia o coração levando-o a lado nenhum, mas que
me mexe os braços e as pernas, me articula os sons e as palavras e me
forma sorrisos na cara, para que os outros não percebam que por dentro
me resta apenas um sopro de vida, uma fímbria de alento e uma bola
calada de gritos enrolados.
in umamoratrevido
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