31.12.12

Saudade é ...

Nalguma vida passada devemos ter feito algo de muito grave para sentirmos tantas saudades... Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um estalo, um soco, um pontapé, doem. Dói bater com a cabeça na esquina de uma mesa, dói morder a língua, dói ter cólicas, dói ter cáries e pedras nos rins. Mas o que mais dói é a saudade. Saudade de um irmão que mora longe, saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais, saudade do avô que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu, saudade de uma cidade, saudade de nós mesmos, que o tempo não perdoa. Doem estas saudades todas. Mas a saudade mais dolorosa é a saudade de quem se ama.  Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Podia ficar no quarto e tu na sala, sem nos vermos, mas sabia-te lá. Podia ir para o dentista e tu para a faculdade, mas sabia onde te encontrar. Podia ficar um dia sem te ver, tu sem me veres, mas sabíamos que amanhã era outro dia. Saudade é basicamente não saber. Não saber se continuas a fungar num ambiente frio. Não saber se continuas sem fazer a barba por causa daquela alergia. Não saber se eu ainda uso aquela saia. Não saber se foste à consulta com o dermatologista, como prometeste. Não saber se tenho comido bem por causa daquela mania de estar sempre culpada, se tens assistido às aulas de inglês, se aprendeste a entrar na internet, a encontrar a página do Diário Oficial, se aprendi a estacionar entre dois carros, se continuas a preferir Malzebier, se continuo a detestar McDonalds, se continuas a amar, se continuo a chorar até nas comédias. Saudade é não saber mesmo! Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, Não saber como encontrar tarefas que cessem o pensamento, Não saber como secar as lágrimas ao ouvir uma música, Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche. Saudade é isto que eu estive a sentir enquanto escrevia E o que tu provavelmente vais sentir quando acabares de ler.

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