Nalguma vida
passada devemos ter feito algo de muito grave para sentirmos tantas saudades...
Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o
tornozelo dói. Um estalo, um soco, um pontapé, doem. Dói bater com a cabeça na esquina
de uma mesa, dói morder a língua, dói ter cólicas, dói ter cáries e pedras nos
rins. Mas o que mais dói é a saudade. Saudade de um irmão que mora longe, saudade
do gosto de uma fruta que não se encontra mais, saudade do avô que morreu, do
amigo imaginário que nunca existiu, saudade de uma cidade, saudade de nós mesmos,
que o tempo não perdoa. Doem estas saudades todas. Mas a saudade mais dolorosa
é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da
presença, e até da ausência consentida. Podia ficar no quarto e tu na sala, sem
nos vermos, mas sabia-te lá. Podia ir para o dentista e tu para a faculdade,
mas sabia onde te encontrar. Podia ficar um dia sem te ver, tu sem me veres, mas
sabíamos que amanhã era outro dia. Saudade é
basicamente não saber. Não saber se continuas a fungar num ambiente frio. Não
saber se continuas sem fazer a barba por causa daquela alergia. Não saber se eu
ainda uso aquela saia. Não saber se foste à consulta com o dermatologista, como
prometeste. Não saber se tenho comido bem por causa daquela mania de estar
sempre culpada, se tens assistido às aulas de inglês, se aprendeste a entrar na
internet, a encontrar a página do Diário Oficial, se aprendi a estacionar entre
dois carros, se continuas a preferir Malzebier, se continuo a detestar McDonalds,
se continuas a amar, se continuo a chorar até nas comédias. Saudade é não saber
mesmo! Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, Não saber
como encontrar tarefas que cessem o pensamento, Não saber como secar as
lágrimas ao ouvir uma música, Não saber como vencer a dor de um silêncio que
nada preenche. Saudade é
isto que eu estive a sentir enquanto escrevia E o que tu provavelmente vais
sentir quando acabares de ler.
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